Ontem recebi um e-mail de uma amiga que está morando em Dublin, capital da Irlanda. Ela mora lá há uns três anos. É formada em rádio e tv, mas está trabalhando com vinhos, e adorando. Mesmo assim, tem alguns conflitos, porque ainda vai demorar para voltar ao Brasil e acha que está adiando o regresso à vida real. Eu não acho isso, e respondi ao seu e-mail tentando consolá-la. Quando percebi, tinha escrito uma crônica, e senti que era tão verdadeira para mim, que decidi publicá-la. Vamos lá:
“Querida amiga,
Estava lendo o seu e-mail e imaginando tudo que contou... Pra mim parece um filme desses, no estilo "Sob o Sol da Toscana", ou um filme francês no qual os amigos vão passar o fim de semana numa casa de campo, para conversar, comer e beber vinho. Tem até um segundo filme, passado 20 anos depois. Só não lembro os nomes agora, mas são dois clássicos.
Sua vida deve estar uma delícia, aproveite... E que chique eu ter uma amiga entendida de vinhos! Essa é a vida real, a vida que a gente vive, um dia depois do outro. O futuro, como se diz, "a Deus pertence"... Aproveite, não fique com essa confusão boba na cabeça. O seu lugar, agora, é aí, onde você está, nessa vida tão charmosa que está vivendo. Vá para a Índia, faça tudo o que quiser. Você não está adiando nada, você apenas está escrevendo a sua história.
Quando você conta o seu dia-a-dia, me dá uma inveja boa, uma vontade de viver isso um pouco, embora eu tenha consciência de que provavelmente não daria conta de ficar mais que um mês. Ah, estive em Lisboa, sim, mas foi muito corrido, por isso não te liguei. Fui em abril. Fui a Sintra, que é do lado, e em uma aldeia chamada Eira Pedrinha, perto de Coimbra, onde nasceu meu tataravô. Peguei o trem e fui lá. Não tem turismo, é um fim de mundo, mas eu queria conhecer. Foi muito legal. Fui sozinha mesmo, porque o Felipe arrumou um trabalho na última hora e não pôde ir.
No mais, estamos aqui, na mesma vida. Eu, tendo uma idéia nova a cada dia, das quais um monte - a maioria - dá errado, mas pelo menos me divirto, e algumas dão certo. O Daniel está quase do meu tamanho, e calçando 40. Olha que ele só tem 10 anos. O Felipe está ótimo, trabalhando de doutor advogado e músico. E os planos de voltar para Três Pontas continuam, para algum dia. Compramos um terreno lá e eu trouxe uma mala de azulejos velhos de Lisboa para enfeitar a parede da casa que ainda não temos, mas vamos construir.
Quero também uma parede de ladrilhos e um vitral. Quero um fogão a lenha, um pé de jabuticaba e um escorregador que sai da janela do segundo andar e cai direto numa piscina. Quero um estúdio para o Felipe e um escritório pra mim, num ponto bem alto, para eu ver o cafezal de um lado e parte da cidade do outro. Quero uma banheira de louça, porque detesto banheira de hidromassagem, e quero um cano para descer do segundo para o primeiro andar, como no Corpo de Bombeiros. Quero uma casa que se pareça com um sobrado por fora, e que seja moderna e arejada por dentro. Quero janelas grandes, portas enormes e paredes grossas, para eu me sentir protegida. Quero a mesa sempre posta, um limoeiro e um pé de marolo.
Meu primo diz que é coisa demais para o tamanho do terreno. Mas garanti que meu padrinho é um super arquiteto e pode fazer isso e muito mais. Como você pode ver, não quero só uma casa, quero um sonho de tijolos. Sei que é difícil, mas não impossível, né? Vou começar erguendo o muro e plantando as árvores. Depois vou aos poucos colocando um tijolo sobre outro, entre um sonho e outro. Enfim, acho que me empolguei no e-mail... Vamos nos falando, sim? Um lindo dia pra você, entre uma garrafa de vinho e outra...
Um beijo grande,
Maria”