22.1.08

Um pedaço de chão pra sonhar

Domingo, 13 de janeiro de 2008. 21:59. Acabei de ver um filme e tomar uma taça de vinho, um Concha y Toro, chamado Travessia. Comprei duas garrafas, por causa do nome. Uma, guardei para um dia especial. A outra abri ontem, para provar. Ainda não estou com sono, não quero ver televisão, o pequeno está viajando – que falta faz colocá-lo para dormir - e confesso a falta de ânimo para retomar a leitura do primeiro volume de Obras Completas de Jorge Luís Borges, em espanhol. Então, vejo uma luz no céu, por trás das nuvens que refletem o alaranjado da noite paulistana. É uma ponta da lua, como um cristal despontando no alto, sobre a torre esquerda do prédio que fica do outro lado da rua e que o Felipe chama de “Castelo de Graiscow”.

O vento refresca e debruço no parapeito da janela, com o rosto encostado na grade. É irresistível não olhar tantos prédios, tantas luzes dos apartamentos acesas e não ficar pensando no que fazem as pessoas que moram ali. Observando de longe, confirmo para mim mesma que prefiro a luz amarela, convencional. Não gosto das lâmpadas fluorescentes. Podem ser econômicas, mas são muito pouco aconchegantes. Também não gosto de sofás de couro ou daquele tecido que imita veludo cotelê. O primeiro é frio e grudento. O segundo, é insuportável no calor.

Uma moça fala ao telefone no terceiro apartamento da direita, contando de cima para baixo, no prédio cor de goiaba. Os dois duplex da frente estão com as luzes apagadas. Na esquina onde um dia um policial atirou num suspeito, ou bandido, os sinais mudam. Vermelho, verde, laranja. E eu estou aqui, sentindo a brisa desse décimo quarto andar, assistindo a uma cidade que não pára, não dorme, e que escolhi para morar. Vejo esses apartamentos e me pergunto como tantas pessoas conseguem viver umas debaixo das outras? Nós... Pelo menos só temos um andar acima. Há 13 abaixo e isso não me tranqüiliza. Sinto falta de ar, por mais que vente por aqui. Sinto falta de um quintal, um mínimo pedaço de chão que eu possa pisar e ser meu, de mais ninguém.

Se um dia eu puder comprar uma morada - não um lar, porque lares não se compram - mesmo que more em São Paulo e prefira viver num apartamento pela segurança, não vou comprar um. Vou comprar uma casa, se não der, um terreno. Prefiro ter um pedaço de chão vazio, onde eu possa desenhar minha casa imaginária, do que paredes de concreto suspensas e esmagadas pela densidade demográfica. Dividindo o terreno do prédio onde moro pelo número de apartamentos, o que fica para cada um não dá nem para montar um quarto, fazer uma horta, ou tomar um banho de sol. Me conforta pensar num pedaço do planeta que seja meu e que ali possa erguer o que eu quiser, mesmo que sejam apenas sonhos ou ilusões.

Não quero ter dinheiro para comprar ou acumular, não quero ter a casa mais bonita da rua, não me faz falta viajar, não preciso de um sapato para ser feliz ou me sentir bem. Basta estar com a família, ter uma boa história para ler ou ouvir e outra melhor ainda para contar, uma xícara de café preto e uma nova idéia, um projeto, algo que me traga paixão, que me faça sonhar e que mova meus dias. Isso é o que eu preciso para ser feliz, e tenho tido. Entretanto, se um dia tiver a sorte de ter meu próprio canto, que tenha cheiro de chão, que eu possa sentir com meus pés e plantar uma árvore, ou que seja pura e simplesmente um espaço aberto, sem nada mais acima ou abaixo do que o céu, a terra e um pouco de ar.

(Crônica publicada no Correio Trespontano em 19/01/2008)