14.1.08

Escreva Três Pontas com o "cutuvelo"

Depois de um mês na tentativa louca de esticar o tempo para dar conta do trabalho na Abril e a produção dos dois shows do Änïmä Minas, tirei a tarde de sábado para descansar. Tinha acabado de pegar no sono quando o telefone tocou. Era meu primo Gabriel, que tem 15 anos. Em uma situação normal eu provavelmente teria dado uma bronca por ele ter me acordado, embora ele não tivesse como saber da minha soneca. Mas quando ele disse o motivo do telefonema, eu logo me animei, e me senti recompensada por tudo.

- Maria, você tem aí o repertório com a lista das músicas que o Milton Nascimento e o Änïmä Minas tocaram ontem?
- Tenho, por quê?
- Eu adorei o show, meus amigos adoraram, e eu quero baixar as músicas na internet. Foram as que eles tocaram no show do Änïmä e mais algumas, né?

No mesmo instante fui lembrando de cabeça uma por uma, porque ele estava ansioso para começar a ouví-las e não queria esperar. Meu sono foi embora e liguei o computador para escrever sobre isso. Fiquei muito feliz e emocionada ao ver meu primo adolescente e toda a sua turma empolgada com as músicas de Milton Nascimento. Não só por ele ser um grande artista da terra e um dos maiores do Brasil e do mundo, mas principalmente porque suas músicas representam o que há de melhor na nossa cultura e história musical. Ver gente tão nova querendo ouvir e cantar a boa música encheu meu coração de alegria e esperança. Isso, mais que tudo, vale qualquer esforço.

Confesso que senti um certo alívio, porque estava preocupada e envergonhada desde o dia que acessei uma comunidade de Três Pontas no Orkut. Eu não tinha Orkut, mas criei um recentemente para divulgar os dois eventos do Änïmä Minas. Ao entrar nessa comunidade, por sinal a mais popular sobre a cidade, perdi o chão. Os tópicos mais acessados eram inacreditáveis. O campeão de acessos e mensagens era “Escreva Três Pontas com o cutuvelo”, isso mesmo, ainda por cima cotovelo escrito errado. Depois vinham os também arrepiantes “Jogo do vai se fudê” e “Jogo da puta que pariu”.

Além de chocada, meu sentimento foi de frustração, pensando no futuro dessa juventude cuja maior preocupação é escrever Três Pontas com o “cutuvelo”. Tudo bem, na pré-adolescência e adolescência (sem falar nos marmanjos) ninguém quer ficar discutindo a vida e assuntos sérios, mas escrever Três Pontas com o cotovelo é demais. Fiquei pensando no papel dos pais em mostrar aos filhos um mundo diferente, onde há espaço tanto para festas de bebida à vontade e música comercial quanto para teatro, música de qualidade, leitura, trabalhos sociais, ambientais. Um mundo em que tudo isso pode conviver e fazer as pessoas felizes e melhores como seres humanos.

Ao receber o telefonema do meu primo, uma luz se acendeu no meu coração, me fez esquecer o cansaço e recuperar o ânimo, já pensando em novos planos para o futuro, a cabeça fervilhando de idéias e vontade de não deixar essa onda de empolgação passar. Ao me pedir a lista de músicas para procurar e escutar, o Gabriel me deu um presente, porque reforçou em mim aquilo em que eu mais acredito: que nada é impossível quando se tem vontade e persistência, que cada pequena ação pode, sim, fazer a diferença, agregar e multiplicar. Se conseguir ao longo da vida dar a minha mínima contribuição para que outros Gabrieis tenham o mesmo interesse que meu primo, tudo terá valido à pena, e valerá.

Maria Dolores

(Crônica publicada no Correio Trespontano, dia 28/12/2007)