26.6.07

Mais um texto no Correio Trespontano

A bola de 25 anos

Ando um pouco nostálgica. Para falar a verdade, sou nostálgica desde sempre, provavelmente desde o dia em que tive consciência de que o que passou não volta mais. Mas, tanta nostalgia não chega a ser um problema. Só que, volta e meia, me surpreendo suspirando, lembrando com saudade de algo que se passou, mesmo que tenha sido ontem, ou há duas horas. A música, o cheiro e a temperatura – isso mesmo, a sensação do ar na pele - são as chaves fortes capazes de me arrancar do presente e, num instante, me transportar para outro tempo. Às vezes isso é tão intenso e imperceptível que me abstraio do que realmente estou fazendo, e as conseqüências são um pouco desastrosas, de trabalhos perdidos a batidas de carro. Mas, enfim...
Outro gatilho para disparar esse sentimento em mim são alguns objetos, poucos, que me acompanham. Não tive uma mamadeira ou chupeta especial, nem naninha, como certas crianças têm, que nada mais são que panos encardidos arrastados a ferro e fogo por onde vão. Não guardei bonecas e não sei onde está meu primeiro cacho de cabelo ou meus dentes de leite. Mas guardo com carinho uma lembrança palpável da minha infância e que agora, orgulhosamente, completa 25 anos: uma bola.
Ganhei quando eu fiz quatro anos, do meu pai, durante umas férias, fim de semana ou feriado com ele em Belo Horizonte, já não sei. Mas lembro bem do acontecido, estava na casa da minha vó, perto da praça do Papa, e eu queria muito a bola da Moranguinho. Ganhei o presente, que estourou rápido e, então, de surpresa, meu pai me deu uma bola dente de leite, cor de rosa choque, com pequeninhas estrelas coloridas, meio fosforescentes. Confesso que era um rosa vivo, e que a bola apresentava alto poder de impulsão ao cair no chão. Hoje, passado um quarto de século, o rosa está mais para marrom e ela mal pica quando cai. A seu favor, no entanto, tem o fato de estar inteira, intacta, e não estar murcha, após milhares de chutes e outros dissabores ao longo da sua existência.
Não me perguntem como é que ainda não estourou. Não foi por falta de uso, porque eu brinquei com ela, com a força desmedida e o descuidado característicos da primeira infância. Depois, na adolescência, já consciente de ser um fato quase único ter uma bola com tamanha durabilidade, passei a deixá-la em cima da estante, como um enfeite precioso, um troféu da minha saborosa meninice que não queria – nem quero – perder. Mas, antes de sair da adolescência e entrar gloriosa, madura, responsável e independente na vida adulta, vieram minha irmã e meu filho, tiraram a bola da estante e lhe devolveram sua verdadeira função. Vigiei as brincadeiras como pude. Que não chutassem com força, que não jogassem no telhado, que não a atirassem no jardim. Um diálogo inútil, como quase todos quando tentamos privar as crianças do que não precisa ser privado.
O fato é que os dois cresceram, perderam interesse pela bola e eu, cada vez mais sem acreditar como poderia durar tanto tempo, decidi guardá-la no fundo escuro de um armário, na tentativa de protegê-la dos perigos da vida. E, assim, completou 25 anos. Mas envelheceu mais nos dois últimos, desde que a fechei no armário, do que nos outros vinte e três. Anda com a cor desmaiada, abatida. As estrelas perderam quase todo o brilho e talvez não dure muito mais. Por isso, acho que vou resgatá-la da proteção escura e dar a ela, ainda uma vez, o gosto de viver a sua plenitude de bola, com os riscos próprios e necessários. Talvez assim ela recobre as energias e sobreviva a outros 25 anos, caminhando comigo, ou, quem sabe, até mais que eu.