11.6.07

De volta à terrinha, e ao seu jornal

Voltei a escrever no "Correio Trespontanto". A primeira de muitas crônicas, espero, foi esse texto, abaixo:

Crônica de uma vida anunciada

Em 1999 eu escrevi um texto sobre a privatização da Vale do Rio Doce e o Correio Trespontano publicou. Foi o primeiro de uma série de crônicas publicadas e de uma parceria muito querida com esse jornal que sempre abriu suas portas para novas idéias, minhas e de tantos outros. Foram quatro anos de crônicas semanais, depois quinzenais, esporádicas, até o trabalho diário tomar todo o meu tempo e as delícias do dia a dia deixarem de ocupar o primeiro plano das minhas atenções.Outros quase quatro anos se passaram sem escrever crônicas, quatro anos de histórias perdidas na memória cada vez mais frágil, sentimentos jogados fora ou enterrados no canto mais secreto da alma, de onde talvez só daqui outros tantos anos eu os consiga resgatar, quem sabe na velhice, se a vida me permitir a graça e a virtude de chegar ao tempo da sabedoria e da serenidade. Tantas vezes nesse tempo não escrito, vi e passei por coisas lindas, tristes, divertidas, emocionantes, acontecimentos e detalhes que se perderam como se perdem a maioria, porque não passam sequer para as lembranças da próxima manhã. Esquecemo-nos delas no instante seguinte, como teria esquecido, se não tivesse anotado num bloco de rascunhos, aquele fim de tarde no congestionamento sobre um viaduto no centro de São Paulo, resgatado do marasmo pela Ave Maria de Gounod que ecoou da torre de uma Igreja e me fez perceber que eram seis horas da tarde, e me sentir feliz porque não só nas cidades pequenas a hora do ângelus, da Nossa Senhora, é celebrada. Existe calor mesmo onde não se espera, sim. Quantas histórias se desmancharam no ar, no esquecimento, por não ter dado a elas a devida atenção. E o mais triste e percebido a tempo, espero, é que, enquanto me ocupava com assuntos sérios de trabalho e deixava as crônicas para o dia seguinte, também deixava de prestar atenção à beleza do mundo à minha volta, aos detalhes que dão a cor da vida, enfiada cada vez mais diante na tela do computador. Uma existência virtual e incompreensível. Divertindo-me sempre, mas em festas, eventos, sem dar o devido valor ao dia a dia. Não só deixei de espiar esses pequenos sabores, como também deixei de experimentá-los, deixando sempre para o dia seguinte. Deixando a caminhada e a natação para o tempo livre que nunca vem, e agora luto contra dores fora de época em todos os pontos do corpo. Deixando a arrumação nos armários da casa para aquele feriado prolongado e tranqüilo, que nunca acontece. Deixando as visitas, as horas de histórias com o pequeno, os passeios com o amado, as tardes tranqüilas, os livros na estante, os personagens do romance. Tudo para o dia seguinte, que é a data mais distante que pode haver no mundo. O dia seguinte é aquele que nunca chega. Por isso eu parei agora, às 10:42 da manhã dessa segunda-feira, dia 4 de junho. Parei de escrever um trabalho urgente para fazer esse texto, para tentar retomar, de alguma maneira, as crônicas e a vida. Porque não adianta conseguir bons trabalhos, conquistar dinheiro e sucesso - não que eu os tenha conquistado – e simplesmente não ter tempo, disposição e saúde para aproveitar o que realmente a vida tem de bom a nos oferecer: as pessoas e os momentos. Não só os momentos ditos especiais, mas principalmente os de cada manhã, cada tarde e cada noite.Das pessoas nem é preciso falar... O que seríamos sem elas? E um momento bem vivido é uma lembrança que vale pela viagem dos sonhos, pelo carro do ano, pela casa de campo, por todas as roupas da moda, é a maior herança que alguém pode carregar consigo, e deixar com os outros. Os momentos são únicos, nenhum, nunca, jamais é igual ao outro. São os momentos que fazem a história e é a história de cada um que dá sentido à vida. Qual a graça de uma vida cheia de bens, status e conforto, mas poucas histórias? Para mim, nenhuma. Por isso escrevo aqui essa crônica, na tentativa de retomar as crônicas do jornal e do meu percurso, para não perder a beleza insuperável que existe em um dia após o outro, um minuto após o outro, e encher de palavras e cores as páginas que ficaram em branco da minha própria história.

Maria Dolores